Quando
soube que a Casa Rio Verde traria Mario Geisse para mostrar os vinhos
produzidos pela Casa Silva, já tinha certeza de que a oportunidade seria
única. Mario é um dos mais conceituados enólogos da América do Sul,
tendo participado ativamente de duas tendências históricas fundamentais
da vinicultura do continente: a descoberta da Carménère no Chile e a
ascensão vertiginosa dos espumantes brasileiros rumo ao estrelato
internacional. Durante os anos 70, Mario desenvolveu seu talento em
renomadas vinícolas como Chandon e Manquehue. Atualmente, é responsável
pelos vinhos da Casa Silva, além de dirigir seu próprio empreendimento
no sul do Brasil, a Cave Geisse, onde são produzidos alguns dos melhores
espumantes nacionais. Hoje, contudo, não é hora de falar de borbulhas, e
sim das crias de Mario no Chile, degustadas em mais um evento
organizado com maestria pelo pessoal da Casa Rio Verde.
Cool
Coast 2012 - Esse surpreendente Sauvignon Blanc, que abriu os
trabalhos, foi um dos grandes destaques da noite. Impressionou pela
expressão frutada (limão, kiwi, abacaxi) intensa e cristalina,
acompanhada por uma acidez pungente, que praticamente o transformava num
frisante no primeiro contato com a língua. Absolutamente refrescante, o
frescor do clima marítimo ao qual o rótulo faz referência é claramente
percebido. Sem nenhuma madeira intrusa para matar a vivacidade da
Sauvignon Blanc, trata-se de um branco memorável!
Angostura
Gran Reserva Merlot 2009 - 75% do vinho passam por estágio de 10 meses
em carvalho francês. Esse Merlot mostrava claros sinais de evolução,
tanto no visual, com reflexos ocres, quanto no nariz, com notas de
couro, ferrugem, alcaçuz e frutas secas. Em boca, temos um vinho
xaroposo, com madeira bem integrada à fruta. Com sinais muito evidentes de evolução, não era exatamente o que se
poderia esperar de um Merlot de apenas quatro anos de idade.
Interessante.
Los Lingues Gran Reserva Carménère 2010 - Aqui, o contraste com o Merlot precedente foi notável: logo no visual, um rubi claro puxado para o púrpura, bastante translúcido. No nariz, demorou um pouco para se abrir. Depois de algum tempo, surgiram notas interessantes de hortelã, baunilha e frutas negras em compota. Em boca, muita intensidade e concentração, estilo geleia primordial. Final médio macio e redondo, com os típicos taninos tranquilos da Carménère. E por falar em carga tânica, segundo Mario Geisse, em análises químicas esse Carménère mostrou maior quantidade de taninos do que o Cabernet Sauvignon degustado a seguir. A impressão de maciez na Carménère deve-se à capacidade dessa uva de amenizar o excesso de taninos.
Lolol
Gran Reserva Syrah 2009 - Esse foi outro destaque do evento. Trata-se
de um Syrah que esbanja tipicidade nas notas intensas de especiarias
(louro, pimenta do reino), alcaçuz e frutas negras (ameixas, amoras).
Como diriam os anglo-saxões, textbook syrah.
Em boca é denso, rico em frutas e pimenta. Um final longo e poderoso
sem excesso de álcool. Da linha Gran Reserva, foi certamente o que mais
me agradou. Há estágio de onze meses em carvalho francês.
Los Lingues Gran Reserva Cabernet Sauvignon 2009 - Visual rubi ainda translúcido. No nariz, pareceu tímido, mostrando apenas um certo frutado discreto estilo groselha combinado a algo de carne crua. Em boca é melhor, tem mais expressão de frutas vermelhas e um certo toque de baunilha ao final. Nada de mais.
Gran Reserva Petit Verdot 2009 - Uma proposta interessante, já que não é sempre que podemos provar um varietal Petit Verdot. Segundo Mario Geisse, essa uva pode ultrapassar a Tannat em carga tânica. O visual era de um rubi absolutamente opaco e intenso, impenetrável. No nariz, não é tão exuberante como se poderia esperar, mostrando algo de café/baunilha e frutas negras. Em boca, mais uma vez, nada de agressividade. Taninos bem integrados a notas de ameixa e amora.
Quinta
Generación Tinto 2008 - Aqui, começamos a adentrar a escala superior
dos vinhos Casa Silva. Esse blend de 40% Cabernet Sauvignon, 40%
Carménère, 15% Syrah e 5% Petit Verdot passa 13 meses em carvalho
francês e foi avaliado em 90 pontos por Robert Parker. No nariz, fica evidente toda a intesidade de cassis, ameixas e amoras em compota. Há,
também, uma clara nota especiada junto a algo de fumaça/couro.
Complexo, merecia mais atenção. Em boca, é tudo o que se poderia
esperar: denso, redondo e equilibrado, combinando frutas negras e
baunilha. Longo final com algo de café.
Carménère
Microterroir de Los Lingues 2006 - Resultado de extensas pesquisas
desenvolvidas pela Casa Silva em parceria com a Universidade de Talca,
esse Carménère é tido como um dos melhores exemplares da uva no Chile e,
consequentemente, no mundo. A safra 2006 recebeu 92 pontos de Robert
Parker. No visual, parece ter vivido bem os sete anos de vida, mostrando
apenas leves reflexos ocres. No nariz, temos muita coisa acontecendo:
frutas secas, couro, café, especiarias (louro, alecrim) e um toque
herbáceo estilo hortelã ao fundo, que remete ao primeiro Carménère que
provamos. Em boca, precisão é a palavra-chave: como um filme num bom
sistema de som, podemos identificar claramente de onde vem o quê. Em um
canal, um caminhão de frutas. No outro, notas de pimenta e tabaco. Em
mais outro, um certo toque de madeira/baunilha. Um vinho
multidimensional, grande, de final longo, com álcool bem presente, mas
sem chegar a prejudicar. Uma obra bem executada que nos lembra das idas e
vindas da vinicultura: uma uva francesa do Médoc, hoje quase esquecida
em seu país de origem, ressurge em todo seu potencial nos longínquos
confins de um continente periférico, graças ao trabalho de gente como
Mario Geisse.
Todos os vinhos degustados. Concentração é primordial!! |
Meus agradecimentos ao pessoal da Casa Rio Verde por mais uma recebida calorosa e por outra oportunidade de conhecer de perto mais uma lenda da vitivinicultura.
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